Bem-aventurado também do feios


Eu, como quase todos os bebês, era feínho. Fui um menininho muito bonito: calos lisos longos, fofinho. Na adolescência e na juventude aí sim, fiquei feio. Eu confesso: era feio. Feio mesmo. Minha feiúra me incomodava na medida em que tomava consciência de que o mundo parecia ser mais amistoso com os bonitos e ricos. Como não podia vencer pela beleza, resolvi me dedicar aos estudos. Foi minha redenção. O fato é que sofri muito por ser feio e magro, quando ser gordo e repartir o cabelo no meio era o máximo (Fábio Júnior era o exemplo de beleza da época). Para piorar, meu rosto encheu de espinhas graúdas como um jambo. Eu chequei a pensar que não haveria melhor época para morrer. Desde que me lembro, nunca choveu mulher na minha horta. Nunca participei de nenhum campeonato de futebol escolar. A época me levou ao prazer de ler um bom livro, de assistir um bom filme – apreciando-os sozinho. Mergulhei dentro de mim mesmo, quase me perdi. Encontrei primeiro a morte para depois ser resgatado pela vida, por Jesus Cristo. Hoje, dou graças a Deus por aquele tempo – que para mim foi horrível. Hoje, consigo ter simpatia pelos negros, pelos homossexuais, pelos feios, pelos gordos, pelos verdadeiramente gordos, pelos que sofrem. Vejo em muita gente que sofre o menino que fui. E sei de uma coisa: é besteira essa obsessão por beleza. Viver é aceitar logo quem e como somos, sem guerrilhas internas, sem intriga com o espelho. Ou a gente celebra ser diferente ou ficaremos todos iguais na imbecilidade de uma vida plastificada. Gosto de dizer que Jesus fez um milagre em mim. Que, agora, sou lindo. É só brincadeira. Sou somente o que sou. E sou, finalmente, feliz por isso.

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