Meu pai

Todas as coisas boas que aprendi quando era criança e menino, aprendi com meu pai. Ele gostava muito de ler, era um devorador de livros. Eu aprendi com ele e, aos dez anos, li meu primeiro livro. Não parei mais. Sou um comprador de livros compulsivo. Ele gostava de jogar “damas”, um jogo de estratégia parecido com o jogo de xadrez. Aprendi com ele, perdendo dele quase sempre. ‘Pense antes de jogar, se antecipe a seu oponente. Cuidado, a jogado do outro pode ser uma armadilha. Pense antes de jogar! ”, ele alertava. Papai não soube o quanto aquelas dicas no jogo de “damas” me ajudou a derrotar meus piores inimigos - usando a cabeça e não a língua ou uma arma. Às vezes, já casado, eu ia visitar papai, só para jogar conversa fora e perder na “dama”. Virou um prazer ser derrotado pelo meu querido velho. Ele gostava de assistir filmes. Quantas vezes me levava com ele para o Cinema de Seu Guerra, onde a gente assistia filmes de faroeste, policial, suspense... Com 12, 13 anos, eu já ia sozinho. Me lembro que assisti A menina do fim da rua naquela época. Hoje, sinceramente, entendo da sétima arte como poucos. Devo o sabor de apreciar um bom filme a meu pai. Papai também devorava palavras cruzadas, gostava de ficar na rede, valorizava muito ficar sozinho, gostava de se acordar de madrugada e ficar conversando (às vezes, discutindo) com mamãe. Me lembro do cheiro forte do café e da voz deles, enquanto escrevo. Ainda hoje sou bom de palavras cruzadas, mas papai era um craque. Gosto de ler, de tomar café (bem ralinho, claro!) e aprecio o silêncio e a beleza de uma madrugada que dá lugar ao nascer do sol. Agora entendo porque sou tão caseiro. Claro que papai tinha defeitos. Bota defeitos nisso. O álcool, o cigarro e a vida desregrada o mataram. Ah, mas como eu o amava. Nunca tive vergonha dele, ela era meu pai. Uma das mais fortes lembranças que tenho é quando a gente almoçava junto. Junto mesmo, no mesmo prato! Na época, eu ti tinha meus seis anos, cabelos compridos e bem lisos. Ele traçava o comer no prato, cortava com a faca a metade do alimento e a gente comia – eu sentado em cima da mesa, ele na cadeira. “Bota um prato separado para este menino, Norberto”, mamãe reclamava. “Não, tá bom assim”, ele respondia. Eu continuava comendo minha parte no prato de papai. “Para mim, tá bom demais também”. E tava mesmo.

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