Mickey Rourke foi um astro badalado nos anos 80. Como qualquer nome em ascensão em Hollywood, principalmente quando agradava a mulherada, Rourke teve grandes oportunidades. Trabalhou com Francis Ford Coppola, em O Selvagem da Motocicleta, Michael Cimino, em O Ano do Dragão, Alan Parker, em Coração Satânico, e Barbet Schroeder, em Barfly - Condenados Pelo Vício. Ainda assim, Rourke não ganhou respeito como ator. Nem mesmo com o sucesso comercial de 9 1/2 Semanas de Amor, de Adrian Lyne, que ficou um tempão em cartaz no Brasil. Algumas bobagens cometidas em sua vida pessoal, no entanto, afastaram Rourke dos holofotes de Hollywood.Em O Lutador (The Wrestler, 2008), o campeão de luta livre Randy "The Ram" Robinson reinou absoluto neste "esporte" durante os anos 80. Duas décadas mais tarde, a decadente figura de um homem que viveu uma época de glórias, sente o peso dos anos (e as seqüelas dos murros) em suas costas. Assim como Mickey Rourke, The Ram não pode parar de fazer aquilo que faz melhor. Mesmo com uma vida errante, ambos precisam continuar suas obras. Rourke é real. The Ram é fictício. É curioso constatar, no entanto, que o ator interpreta o lutador do filmaço do diretor Darren Aronofsky com tanta naturalidade, que não seria bobagem alguma imaginar que Rourke estaria sendo ele mesmo, repensando a própria vida - só que na pele de seu personagem. Mas não importa se a intenção de Aronofsky foi essa, pois sua escolha foi perfeita. O Lutador não representa somente o retorno do lendário Mickey Rourke, mas principalmente o reconhecimento de público e crítica em vê-lo como um ator de verdade no maior papel de sua carreira.Por mais que o roteiro de Robert D. Siegel apresente uma emoção genuína, simples e direta, que foi captada em cada cena por Darren Aronofsky, O Lutador jamais teria dado certo sem o ator ideal para o papel. Quero dizer que, apesar de todas as suas qualidades, o filme de Aronofsky depende de Mickey Rourke. E, ainda bem, o ex-astro dos anos 80 entendeu o que deveria fazer. É um papel que exige forte carga dramática, mas que também precisa de um ator que entenda bem o que é atuação física - e Rourke, em uma de suas várias loucuras, já foi boxeador.Mas embora dependa de Mickey Rourke, O Lutador tem um ótimo diretor. Aronofsky surgiu com dois filmaços pesadíssimos, Pi e Réquiem Para um Sonho, e depois arriscou uma mudança radical em Fonte da Vida, um equivocado épico que mistura ficção científica, fantasia e romance sem chegar a lugar algum. Agora, ele se recupera com um filme simples, mas poderoso em suas emoções. Na verdade, Aronofsky sempre soube muito bem como manipular não das emoções básicas, mas as secretas. Aquelas que ninguém expõe. Poucos novos diretores da atualidade são tão eficientes neste item. Pi e Réquiem Para um Sonho são tão fortes, que jamais consegui revê-los. São dois belíssimos filmes, mas nunca mais quero voltar a eles.Desta vez, Aronofsky faz seu Réquiem Para um Lutador. Com a câmera a maior parte do tempo nas costas ou sob os ombros de The Ram (Rourke), Aronofsky mostra ao público a essência de um homem de verdade, que vai para a luta em qualquer momento, em qualquer parte do dia e em qualquer situação. Dentro ou fora de um ringue. Mesmo caindo de vez em quando, um homem de verdade não desiste. Ele se levanta e continua em frente. Mesmo que isso o leve à morte, ele viverá para sempre em sua glória.É um recurso fascinante para contar essa história, que parece filmada por um cineasta em seu maior momento durante a Hollywood visceral dos anos 70, que entendia bem as ruas. Aronofsky evoca uma era que não volta mais. Uma era reinada por especialistas no assunto como Scorsese, Lumet e Friedkin.É um recurso que só aumenta a emoção quando sabemos que um homem, como The Ram, é proibido por ordens médicas de fazer a única coisa que sabe fazer: lutar. Se a câmera de Aronofsky não pode mais segui-lo em sua caminhada para o ringue, ela acompanha The Ram em sua luta para recuperar sua vida pessoal. Com um coração doido para matá-lo, o lutador pode agüentar cadeiradas, arames farpados, socos, cabeçadas e pontapés, mas nada o preparou para enfrentar as dores da vida fora dos ringues. Tentar a reconciliação com a filha (Evan Rachel Wood) é a sua prioridade. Em sua jornada, The Ram é ajudado por Cassidy (Marisa Tomei, mais linda do que nunca), uma dançarina exótica, que representa, talvez, a última chance para The Ram sossegar ao lado de uma companheira e curtir um amor verdadeiro.Há um paralelo interessante, inclusive, entre os personagens de Mickey Rourke e Marisa Tomei com os de Nicolas Cage e Elisabeth Shue, em Despedida em Las Vegas, belíssimo filme de Mike Figgis. Os dois casais sabem que nasceram um para o outro, mas suas profissões e vícios determinam o que eles se tornaram na vida. Não há mais salvação para eles. Rourke é um lutador, Marisa é uma stripper, Cage quer beber até morrer, em Elisabeth é uma prostituta. Quatro personagens marcados pela vida. Não há como voltar. Cada casal se completa, mas não há como fugir da dura realidade da vida. Eles são o que são.Como Mike Figgis, em Despedida em Las Vegas, Darren Aronofsky sabe filmar os bastidores da podridão das ruas. Sua câmera observadora explica como funciona o clube em que Cassidy dança e, também, mostra como The Ram combina suas lutas com os outros astros do esporte exibicionista nos vestiários. Quando a câmera parte para as ruas, Aronofsky capta tanto as reações de seus personagens sofredores quanto o cheiro das ruas e os olhares de cada pessoa de verdade, que cruza os caminhos dos protagonistas.É claro que você pode lembrar de filmes como Rocky ou Karate Kid, mas acho isso uma covardia com o filme de Darren Aronofsky. E com os dois de John G. Avilsen. O primeiro Rocky é um dramalhão hollywoodiano sobre um homem tentando vencer na vida fazendo o que gosta e aproveitando sua única chance. Karate Kid é para um público mais jovem. Fala de orgulho próprio e a passagem da adolescência para a vida adulta. O Lutador é sobre um homem descobrindo que não pode deixar de ser quem ele é, mesmo que suas características pareçam desprezíveis aos olhos das outras pessoas. Não é sobre sonhos. É sobre viver e morrer sem se enganar.Quando O Lutador termina, entra a maravilhosa canção The Wrestler, de Bruce Springsteen, acompanhando os créditos. Ela é a síntese do filme. É bela, triste, mas transmite uma rara sensação de esperança. É como a saga de The Ram. É como o retorno de Mickey Rourke, que consegue fazer o espectador gostar de um personagem nada fácil desde sua primeira cena e acompanhá-lo com preocupação até o fim. Aliás, um final sensacional, que traz uma emoção silenciosa. Um choro engasgado. Palmas para Darren Aronofsky. Palmas para o lendário Mickey Rourke. Seja bem-vindo de volta, meu amigo.
* Não escrevi nenhuma palavra dessa resenha. Perdi o nome de quem escreveu. Um belo texto para um filme melancólico e essencial para quem gosta de cinema. Parabéns!
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